Em Portugal chegou-se a este princípio de filosofia desesperada - o suicídio é um recurso nobre, uma espécie de redenção moral. Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.
Chegámos a isto, amigo. Eis a nossa desgraça. Desgraça de todos nós, porque todos a sentimos pesar sobre nós, sobre o nosso espírito, sobre a nossa alma desolada e triste, como uma atmosfera de pesadelo, depressiva e má. O nosso mal é uma espécie de cansaço moral, de tédio moral, o cansaço e o tédio de todos os que se fartaram - de crer.
A Europa despreza-nos; a Europa civilizada ignora-nos; a Europa medíocre, burguesa prática e egoísta, detesta-nos, como se detesta gente sem vergonha, sobretudo... sem dinheiro. Apesar disso, em Portugal ainda há muita nobreza moral, ainda há pelo menos nobreza moral bastante para morrer, e ainda existem coisas dignas de simpatia.
Diz V. que tudo aquilo que se tem passado e está passando em Portugal é o desarrollo duma espécie de tumor social. Será, será. Será a morte até. Há quem diga que o tumor é apenas um abcesso que, depois de supurar, nos permitirá viver ainda largos dias de desafogo e bem-estar. (Ainda há também optimistas em Portugal.)
Eu, por mim, não sei, não sei; em boa verdade, amigo, não sei para onde vamos. Sei que vamos mal. Para onde? Para onde nos levarem os maus ventos do destino. Para onde? Vamos...
Manuel Laranjeira, Carta a M. Unamuno, 1908
(M. Laranjeira suicidou-se alguns anos depois)
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